quarta-feira, 13 de julho de 2011

Butt Spencer

VIRUS AMPLIFIER
É de fato complicado falar da banda de seu irmão mais novo, mas quando você está envolvido com música há bastante tempo, aí fica bem mais fácil. Tudo começou em Joinville/SC, em meados de 1995, quando Lauro (meu irmão, que na época tinha 14 anos) e um amigo (Marcelo) começaram a ensaiar no estúdio nos fundos da minha casa, onde rolavam os ensaios da minha antiga banda, The Power of the Bira. Lembro que na época tocavam NOFX, Operation Ivy, Rancid etc. e alguns rascunhos de músicas próprias. Foi então que Marcelo convidou Rodrigo, um colega de sala de aula, para tocar baixo. Rodrigo não sabia tocar, mas Marcelo o convenceu de que era fácil. Rodrigo apareceu no ensaio e não demorou para perceber que baixista não era sua vocação, afinal não conseguiu tocar uma música se quer. Umas duas ou três semanas depois, Rodrigo encontrou Maurício, um amigo em comum entre eles, que tocava baixo e gostava praticamente do mesmo estilo de música. Não perdeu tempo em convidá-lo para entrar na banda. Enfim, já tinham os "elementos essenciais" para uma banda de rock, (guitarra/baixo/bateria). Mesmo assim, Rodrigo ia em todos os ensaios somente para assistir, até um dia que Marcelo passou letras alguns de covers que eles tocavam, com o propósito de que Rodrigo assumisse definitivamente o vocal. Assim se criou a primeira formação do Butt Spencer, com Lauro na bateria, Marcelo na guitarra, Maurício no baixo e Rodrigo no vocal. As músicas começaram a surgir, várias delas. Marcelo vinha com uns quatro novos rascunhos a cada ensaio, sempre com letras debochadas e infantis, algo de fato divertido e irreverente para adolescentes com a média de idade entre 15 e 16 anos.
O hardcore simples e o skapunk sempre estiveram presentes na primeira fase do Butt Spencer, em que tocavam em vários lugares e ganhavam desde cedo certa credibilidade na cena de rock alternativo da cidade. Lembro de um show que fizeram numa festa de calouros na FEJ (Faculdade de Engenharia de Joinville), onde "marmanjos" universitários ficavam olhando para eles e comentando "putz... essa piazada manda bem pra caralho!". Logo em seguida gravaram a primeira demo, ao vivo em dois canais, intitulada de "Antes tarde do que nunca" com 14 músicas (entre elas destacam-se Pobre Vs. Rico, Vírus Amplifier e Chopp’n’Center), em que a boa qualidade de gravação chamou bastante a atenção. Esta demo-tape registra bem o que eles eram em 1996: adolescentes infames e energéticos. Ou, como bem expressou uma matéria de um jornal local: "Rock’ n Roll da Puberdade".

DOWN-SKA-C-T
Após isso, as coisas foram mudando. Marcelo estava deixando de lado a vontade de tocar punk/hardcore e vinha aos ensaios com temas a lá Velhas Virgens e rock’n’roll tradicional, com letras ainda mais apelativas e infantis, o que deixou os outros integrantes muito insatisfeitos. Estava mais do que evidente que Marcelo deixaria a banda. Rapidamente foi substituído por Rafael Zimath, um amigo que já vinha acompanhando há algum tempo os shows da banda, e que sabia tocar algumas músicas do Butt. Aos poucos foram tentando deixar de vez este lado infame e debochado, principal característica do ex-integrante Marcelo. O som foi ganhando mais consistência e os integrantes foram adquirindo maturidade musical. Não abriram mão, porém, de tocar algumas músicas ainda escritas pelo ex-integrante. Algumas frases daquelas composições chegaram a incomodar certas pessoas, ao ponto de questionarem a postura da banda, como por exemplo: "...se você não conseguiu comer a empregada". Aquele tinha sido se tornado uma ironia, no ponto de vista da nova formação. Entusiasmados com a possibilidade de incluir um naipe de metais, o Butt Spencer agregou dois novos integrantes,: Charles "Somália" (amigo de infância de Maurício) no sax tenor e João Paulo (este, amigo de Rodrigo) no trombone de vara. A idéia era fazer algo com influências de Voodoo Glow Skulls e Mighty Mighty Bosstones, bandas que adoravam na época. Porém, se precipitaram em registrar sua demotape com essa sonoridade digamos assim, mais "ska". O resultado da demo "Down-ska-ct", gravada no estúdio Solo, em Curitiba/PR não foi dos melhores. Duas das cinco músicas contavam com o novo naipe de metais. Por falta de experiência e preparo, os metais foram gravados semitonados, o que dá a impressão de que estão desafinados. Outro erro fatal foi gravar as guitarras em algumas músicas sem distorção (o que eu sempre chamo de "som de crente"). Toda a consistência e agressividade da banda se perderam graças, causando reações no ouvinte muito diferentes daquelas geradas nos shows. Por outro lado, estava presente uma outra faceta da banda pós-Marcelo, com letras mais sérias, como se pode perceber na música "O pior ainda está por vir". Chegaram a divulgar bastante esta fitinha, que tinha uma arte final muito boa, contendo na capa a foto do Maurício num show. Algo muito interessante, já que geralmente as fotos de banda se centralizam no vocalista ou na guitarrista, talvez sem querer, conseguiram quebrar um estereótipo manjado que impera no rock. Começaram assim as trocas de contatos, resenhas em fanzines e shows fora da cidade.

O PIOR AINDA ESTÁ POR VIR
Em 1998 entraram em estúdio para gravar talvez o registo que hoje em dia a banda inteira desaprova, intitulado "Tira-gosto EP". A idéia era registrar uma espécie de "antologia" dos primeiros anos do Butt Spencer. O atraso no lançamento, porém, desatualizou demais a idéia e o registro acabou não dando uma real e nítida impressão do que eles se propunham a fazer na época. Como se não bastasse, várias crises pessoais ocorreram. João Paulo estava sem trombone, pois o que ele usava era emprestado – na verdade pertencia a sua antiga escola. Somália estava de malas prontas para ficar um ano fazendo intercâmbio na Alemanha e, por fim, a gravação no estúdio trazia uma série de problemas que ninguém podia imaginar, resultando no fim das contas, em um registro mal gravado. A banda resolveu prensar mesmo assim, quase dois anos depois, pois este era o único registro que tinham disponível até então, apesar de que algumas músicas já haviam saído em várias coletâneas. Os shows na cidade rolavam com certo clima de antipatia por parte do público. Alguns por inveja, outros por radicalismo. Faziam questão de difamar e de certa forma boicotar os poucos shows que a banda fazia. Havia novas bandas adolescentes que chegaram até a fazer músicas falando mal do Butt Spencer, chamando de idiota quem gosta de punk rock e ska. Outras pessoas alegavam que o banda tocava "ska-punk" porque era o "ritmo da moda", tachando-os de modistas e embalistas. Curiosamente, nenhuma dessas bandas e pessoas que se propunham a falar mal deles, toca ou vai em shows hoje em dia. Eu, pessoalmente, não acredito que alguém que queira fazer algo "for fashion", dure mais de cinco anos, ao contrário dessas pessoas que não participam mais de alguma atividade ligado a música ou qualquer outro tipo de arte em geral. Às vezes só o tempo vem nos dizer quem é verdadeiro, além da arte autêntica não se depreciar com o passar dos anos. Sem o sax de Somália, Richard é chamado para entrar na banda, para tocar sax alto. Logo se percebeu que Richard tinha uma musicalidade mais aguçada, e não demorou para ele tirar todas as músicas do Butt Spencer, além de criar novos arranjos. Talvez o que tenha os salvado desta crise foi um show que realizaram pelo interior de São Paulo, com a banda Enzime de Blumenau, onde tiveram boa receptividade, dando novo entusiasmo aos seus integrantes.

FANTASMAS
Chega 1999. Definitivamente, os integrantes eram outras pessoas, pensavam diferente e já não gostavam mais de termos como ska, punk ou qualquer coisa do gênero, pois estes limitavam o que a banda se propunha a fazer. As letras haviam melhorado de forma mais do que considerável e as músicas transgrediam os conceitos de ska ou ska-punk convencional. Surgiam compassos quebrados e arranjos mais "tortos", enriquecendo ainda mais suas canções. No segundo semestre deste mesmo ano, Somália voltava da Alemanha e logo no show de estréia do enfim septeto, a receptividade foi muito boa, num memorável show em Florianópolis. Longe de ser a banda adolescente e imatura que eram no começo, viviam numa fase muito boa e criativa. Em 2000 se torna inevitável não conceber um novo disco. Fizeram poucos shows, mas todos bons e bastante comentados. Os principais foram em Porto Alegre, Criciúma, São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Niterói. Algo curioso presenciei neste show de Niterói, onde tocaram como última banda após o Holly Tree de São Paulo. A maioria das pessoas achavam que os paulistas eram a última banda – pelo menos 50% do público havia se retirado. Quem presenciou, testemunhou talvez uma das melhores apresentações da banda. O som estava bom (algo dificílimo de conseguir com naipes de metais), apesar de ser uma aparelhagem simples, e mesmo sendo a última banda, não faltaram pique e energia. Curiosamente foi o único show em que o público realmente agitou e pogou pra valer. No fim, falei com um cara que com um sorriso estampado no rosto, me confessou ter sido o melhor show de banda underground que ele tinha visto na vida. Foi a apresentação certa, na hora certa, com o cartaz errado – não havia o nome deles no cartaz.

SUPERMAN VS. THE FONOGRAPHIC INDUSTRY
Resumidamente, os anos decisivos para a banda deslanchar foram 1999 e 2000, quando tocavam o que queriam, sem se importar com que ditames do cenário punk. O som era totalmente diferente da mesmice que impera na dita cena punk brasileira (a não ser que você prefira mesmo ouvir as versões brasileiras de bandas bem conceituadas gringas, não tendo a noção que a grande maioria destas não trazem nada de novo). O referencial deles já não vem mais de bandas emergentes de determinados estilos. Buscam influências não só na música mas também em outras atividades artísticas. Um show do Butt Spencer é sempre muito interessante de se assistir, sempre espontâneo, energético e insano. Longe de conceitos politicamente corretos e/ou pré-estabelecidos, o Butt Spencer se preocupa em fazer música, e música boa. Em 2001 sai enfim um registro com a cara da banda, o CD com 14 músicas chamado "Dogmas...". Houve uma pequena demora para finalizar as 14 músicas deste disco, já que foi gravado em outra cidade (Florianópolis/SC) e os integrantes só tinham disponibilidade de gravar e mixar nos fins de semana, e não era todo final de semana que o estúdio tinha hora disponível. Mas mesmo com essa demora, valeu a pena esperar. Acredito que este disco vai obter uma boa repercussão, esgotando a sua primeira tiragem com facilidade. Acho muito interessante a trajetória que o Butt percorreu e percebo que eles tem um elemento que talvez falte para 90% das bandas independentes brasileiras: a OUSADIA. Isto em todos os aspectos, desde a não necessidade de seguir um caminho que já existe (me refiro as bandas com influências óbvias), até a despreocupação em fazer parte de micro-seitas e guetos. Até hoje o público deles na cidade é pequeno, porém, quem se importa? Sempre acreditei que o mais importante é a satisfação pessoal em criar algo que ainda não existe, apesar de que grande parte do público underground não possui esse mesmo ponto de vista (bem, isso já é outra história...). Tire suas próprias conclusões e ouça o disco ou a banda. Se não quiser ouvir, tudo bem, afinal, assim como o Butt Spencer, não sou formador de opinião.

Marcos Maia de Moraes (originalmente escrito em algum dia, de algum mês do ano de 2001)


Demo-tape "Down-Ska-Ct" (1997)
Download
De Butt Spencer

CD-EP "Tira-Gosto" (1998)
Download
De Butt Spencer

CD "Dogmas, Dilemas e Perguntas sem Respostas" (2001)
Download
De Butt Spencer

Para baixar as demais demo-tapes da banda clique aqui.

O BUTT SPENCER foi:
Rodrigo Brum = vocais (1995-2006)
Marcelo Correa = guitarra e vocais (1995-1997)
Rafael Zimath = guitarra e vocais (1997-2007)
Maurício de Andrade Ramos = baixo e vocal (1995-2004)
Lauro Moraes Neto = bateria (1995-2007)
Charles "Somália"Alandt = sax tenor (1997-2005)
João Paulo Vexani = trombone (1997-2007)
Richard Schroeder = sax alto (1998-2007)
Luis Henrique "Lucky" Stephan Filho = baixo e vocais (2005-2007)


Nenhum comentário:

Postar um comentário